quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Caminho das Índias


Com o sucesso da novela da Globo, "Caminho das Índias", e o repentino interesse das pessoas pela Índia, esse país cheio de peculiaridades, não pude deixar de me lembrar de uma história incrível, que tem toda a cara de novela, mas que aconteceu de verdade por aqueles lados. Trata-se da triste história de Budhia Singh, um garoto pertencente à mais baixa casta na Índia, a casta dos intocáveis, que foi vendido pela mãe pela quantia equivalente a 38 reais. Com a morte do pai, esta senhora, que vivia de esmolas, não tinha condições de criá-lo. O menino passou, então, de mão em mão até ser comprado por Biranchi Dias, um treinador de judô, que tinha mais 20 crianças sob sua responsabilidade. Em determinada ocasião, Budhia fez uma travessura e, como castigo, Biranchi fez com que o menino ficasse correndo em círculos até que ele mandasse parar. Entretido com algum trabalho, o treinador se esqueceu do castigo, e quando retornou, CINCO HORAS DEPOIS, ainda encontrou o menino correndo. Surpreso com a incrível resistência de Budhia, que então contava com 3 anos, Biranchi logo iniciou um treinamento de corrida, aumentando a sua quilometragem e fazendo com que o garoto participasse de maratonas e ultramaratonas. Com apenas 4 anos de idade, entrou no livro do recordes por correr a distância de 65 km sem parar. Tudo com o mudo consentimento das autoridades indianas.
Organismos internacionais de direitos humanos passaram a se preocupar com a saúde de Budhia, alegando que treinamentos tão intensos poderiam provocar danos irreparáveis ao coração da criança, assim como prejudicar irremediavelmente o seu crescimento. O menino aliás, foi socorrido ao final da prova que o levou ao recorde completamente exausto. Posteriormente, e com tanto assédio da mídia, verificou-se que o treinador submetia Budhia a tratamento desumano e degradante, fazendo com que corresse sem poder beber água, achando, com isso, que o menino correria mais e mais rápido para, enfim, poder saciar a sua sede ao final da prova. Os treinos de Budhia eram de 45 km duas vezes por semana, e de 20 nos demais, sem notícia de descanso.
Os próximos acontecimentos são muito rápidos: a mãe denuncia Biranchi, após descobrir marcas de tortura no corpo do filho, e Biranchi é preso. Antes de o processo ser concluído, o treinador é assassinado em 2006, aparentemente um crime sem ligação com a história do menino. Entrevistado, Budhia chora e diz que o Biranchi era como um pai para ele, que as pessoas deveriam esquecê-lo.
Dessa história é possível tirar várias lições, mas eu só queria ressaltar o sofrimento suportado por esse garotinho. Nós que somos adultos e corremos sabemos o quanto correr exige do corpo como um todo. Já vimos a entrevista do Henrique Jacob e de todos os cuidados que ele tem para conseguir correr longas distâncias. E nós que o conhecemos, sabemos que após uma ultramaratona ele fica um grande período descansando, recuperando o organismo.
Que Budhia tem muito talento, isso é evidente. Poderia ser um excelente atleta no futuro. Pode até ser que gostasse de correr... Agora, duvido que ele achasse divertido correr TANTO. Ainda mais sem água, sem tempo suficiente de descanso, sem nada... O mais provável é que o menino associasse a corrida ao castigo, como aliás, foi o seu primeiro contato com o esporte. Submetê-lo a tal nível de esforço em tão pouca idade é um crime sem precedentes na história, de modo que, em matéria de crueldade, a Índia tem muito a ensinar...

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